Cozinha da Cidadania: Gastronomia com Identidade Afro Brasileira

Cozinha da Cidadania: Gastronomia com Identidade Afro Brasileira

Premiada pelo Usinas do Trabalho 2013, organização se destaca por suas ações de empoderamento feminino.

cozinha

De braços abertos: assim são recebidas as mulheres do bairro Alto José Bonifácio pela Cidadania Feminina, em Recife (PE).

Localizada no topo de uma escadaria de 54 degraus no coração do bairro Alto José Bonifácio, a Cidadania Feminina funciona como uma verdadeira fortaleza para as mulheres da comunidade do Córrego de Euclides, na cidade de Recife.

A história da organização feminista se cruza com a do Consulado da Mulher em 2013, a partir do prêmio Usinas do Trabalho, que reconhece anualmente iniciativas de empreendedorismo popular feminino e desenvolvimento sustentável.  A Cozinha da Cidadania, projeto de gastronomia popular e geração de renda da organização, foi um dos 10 grupos premiados pelo edital.

Para Liliana Barros, conselheira fiscal da Cidadania Feminina, promover o empoderamento financeiro feminino é uma verdadeira ferramenta de transformação social. “Para as mulheres pobres, em sua maioria negra, a geração de renda é fundamental para o enfrentamento da violência, elevação da autoestima e o incentivo para mudar uma realidade”, afirma

A cozinha comunitária alia a geração de renda com a valorização da identidade cultural de suas integrantes, por meio de receitas típicas da gastronomia afro brasileira. Ter uma refeição preparada por estas mulheres é uma verdadeira viagem na história, já que a cada prato servido – seja ele macaxeira com charque, farofa de abóbora ou tapioca – elas resgatam informações sobre sua origem, contam como ele é preparado e descrevem seus benefícios para a saúde.

Com parte do prêmio de 5 mil reais recebidos do Consulado da Mulher já foi possível reformar a cozinha, que agora está equipada com eletrodomésticos novos como freezer, geladeiras e purificador de água. Para 2014, a ideia é que a cozinha esteja funcionando a todo vapor, assumindo demandas na comunidade e também de empresas da região, trazendo renda e muitas mudanças na vida de 10 mulheres que se revezam na administração do cantinho gastronômico.

Empoderamento feminino

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Não é só na cozinha que as mulheres da organização mostram sua força e união. Entre as ações de empoderamento feminino promovidas pela Cidadania Feminina está o Apitaço, uma manifestação pacífica e extremamente barulhenta que com frequência toma as ruas da cidade chamando atenção para os casos de violência doméstica denunciados na comunidade.

Para isso, elas se reúnem com apitos e cartazes para conscientizar outras pessoas sobre o problema. Em certos casos, elas vão à frente da casa do agressor denunciado para que, por meio do constrangimento, a violência não ocorra mais. A ação já recebeu diversos prêmios, entre eles o João Canuto de Direitos Humanos, em 2012, e o Fazendo a Diferença, promovido pelo jornal O Globo, em 2007.

Para fazer a diferença na comunidade, é importante que haja diálogo e muita reflexão entre as mulheres. É por isso que, pendurados nas paredes amarelas da sede do grupo, estão pôsteres e quadros que abordam diferentes temáticas feministas, como direitos trabalhistas, educação sexual, violência doméstica, autonomia, ecologia e diversidade.

Estes temas são discutidos em grupos de estudo, rodas de conversa, mostras de filmes e outros eventos promovidos pela organização, que com suas ações, estimula que cada mulher assuma voz ativa dentro de suas casas, de seu emprego e entre familiares e amigos, reconhecendo seus direitos e deveres e se libertando de diversos dogmas do patriarcalismo.

Reconhecimento racial

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“Cada mulher sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Com esta frase, a presidente da Cidadania Feminina, Rejane Pereira, define o coletivo como um grupo libertário de mulheres. “Nenhuma mulher que entra aqui sai igual”, afirma. Questionada sobre as principais mudanças notadas entre as mulheres que passam a frequentar a Cidadania Feminina, Rejane é enfática: “A primeira é a fala. A segunda é (a capacidade de) enfrentar os problemas. As mulheres travam uma luta muito grande. Elas são as primeiras a acordar e as últimas a dormir”.

Mas a luta travada por boa parte das mulheres associadas à organização vai além das questões de gênero e é por isso que a Cidadania Feminina tem como foco o feminismo negro. “Outra mudança significativa é o reconhecimento racial. Você começa a reconhecer os traços negros e, para nós, este é o ápice: é quando a mulher se reconhece como negra”, conclui.

Segundo dados de 2012 do Ministério do Trabalho e Emprego, a mulher negra brasileira recebe salários médios de R$790 contra R$1.671 de homens brancos, quase o dobro. As diferenças também são grandes entre mulheres de cores diferentes: enquanto 7,6 milhões de mulheres brancas estão em empregos formais, menos de 500 mil mulheres negras trabalham com carteira assinada.

Ações de afirmação racial e feminina como as da Cidadania Feminina são responsáveis por causar mudanças expressivas na autoestima de mulheres que, infelizmente, lideram as estatísticas referentes a trabalho precário e desemprego em um cenário em que a desigualdade social e econômica ainda é uma realidade recorrente. Fazendo parte de um grupo de cooperação e solidariedade, elas se tornam menos vulneráveis quando entendem sua situação e se veem inseridas em causas coletivas que a tornam personagens ativos de sua própria história.